Duas facetas, a mesma paixão
(uma espécie de editorial)
Do Fanzine para a auto-edição não há propriamente muita mudança, antes evolução. Ou pondo a coisa de outra maneira, não há muita evolução há apenas mudança. Passe a provocação, o que queremos dizer é que são formas, necessariamente diferentes pelas circunstâncias de cada época, de manifestar a mesma coisa: uma paixão e uma vontade de entrar mais a fundo no universo da Banda Desenhada.
As diferenças de designação não são, apesar disso, só diferenças de palavras para a mesma realidade. A diferentes designações correspondem diferentes estádios de desenvolvimento. Com a auto-edição, já não estamos apenas perante um fã que venera uma arte ao ponto de perder o seu tempo livre para se dedicar a ela. O autor que se auto-edita leva essa veneração ao ponto de querer fazer da arte a sua vida.
As evoluções tecnológicas foram um contributo essencial para este upgrade na estratégia, permitindo que as tiragens passassem de minúsculas a pequenas e a possibilidade de venda directa facilita algum retorno económico aos autores, o que – em mercados de dimensão significativa – é muitas vezes uma modesta, credível, porta de entrada na profissionalização.
Passamos de exercícios mais ou menos lúdicos, do experimentar de uma arte para um trabalho que se quer consistente, coerente e viável.
Se muitos editores e críticos começaram nos fanzines, muitos autores evoluíram para a auto-edição como estratégia de afirmação e presença no mercado.
Joe Matt, Adrian Tomine, Jacques Glénat são alguns nomes que podem ilustrar esta realidade.
Portanto, de uma exposição sobre fanzines, actos de amor e pecado do século passado, passamos para uma editora que (até aqui) tem sido essencialmente um veículo para o trabalho e construção de um universo, acto de ambição e destreza do seu incansável autor e editor.
A esta dupla de realidades, junta-se também outra: o II Mercado do Contra (no próximo Sábado, dia 29 de Junho das 10h00 às 19h30) agrupa autores/editores que se tornam vendedores na busca de mostrar / divulgar o seu trabalho / produto. Para que se volte à essência e a outra dupla: a arte e o seu público. Um contacto directo, um encontro imediato na senda não só de um universo imaginário como, essencialmente, de um universo concreto onde seja possível continuar a acreditar. Na BD como possibilidade de vida e na vida como numa BD.
Exposição: In the Dust of Creation
Na senda do trabalho em que a Galeria Mundo Fantasma se tem concentrado nos seus já dezoito anos de existência, é agora a vez do nosso parceiro da Gorila Sentado: Daniel da Silva Lopes com a sua exposição In the Dust of Creation.
Inauguração
Dia 29 de Junho pelas 16h00, na Galeria de Ilustração e Banda Desenhada Mundo Fantasma.
Jorge Coelho
Um autor e um livro é uma iniciativa que pretende proporcionar o contacto do público com uma BD especifica. Conversar com o autor e obter um autógrafo no exemplar que acabou de se comprar é uma das mais populares actividades para os amadores da Banda Desenhada.
Neste primeiro encontro a Bedeteca convidou Jorge Coelho para apresentar um dos seus últimos trabalhos: O Grande Gatsby.
E na verdade, como o Jorge trabalhou com um argumentista e ambos trabalharam a partir de um romance consagrado da literatura norte-americana (Francis Scott Fitzgerald) o encontro é na verdade um três em um: o Jorge vai falar connosco, mas trará a experiência do trabalho com Ted Adams e o testemunho do desafio de adaptar este grande clássico.
Na Bedeteca, Sábado, pelas 16h30.
Jorge Coelho na Cronologia da BD Portuguesa.
Free Comic Book Day
No mesmo dia, decorrerá na livraria Mundo Fantasma o Free Comic Book Day. É uma iniciativa promocional da indústria americana de banda desenhada que existe desde 2002. Joe Field teve esta ideia depois de reparar que a Baskin-Robbins dava os seus diversos sabores de gelados a provar à clientela. Como nos gelados, não existe apenas um género de banda desenhada e Field achou que se oferecesse comics a potenciais leitores, eles poderiam tornar-se apreciadores e voltariam para mais.
Momentos Especiais da BD em Portugal
Há encontros que nos marcam para sempre. E quando esses encontros são numa menor idade, essa marca é ainda mais forte. Manuel Caldas deve ter esbarrado no Príncipe Valente muito cedo na sua vida. Mas o cavaleiro de Camelot nunca mais o abandonou. As pranchas dominicais (ao contrário de outras séries do King Features Syndicate, o Príncipe Valente não tinha tiras diárias, só era publicado ao Domingo nas grandes páginas dos jornais da época, o que só atesta a consideração e o privilégio que o autor foi capaz de granjear desde o primeiro momento, bem como o cuidado que punha em cada prancha) eram publicadas em Portugal n’O Primeiro de Janeiro, matutino portuense e foi neste jornal que o jovem Manuel conheceu – em todo o esplendor de página inteira e a cores – a obra de Harold Foster.
Valeu a pena o desvio de olhar que o pai lhe proporcionou, quando lhe disse que no mesmo jornal onde eram publicadas as BD’s industriais da Disney, havia uma história muito melhor desenhada.
A paixão por esta monumental obra ditou o destino de Caldas, fazendo com que produzisse um livro inteiramente dedicado ao autor e à personagem e que se dedicasse, mais do que à edição, à recuperação militante, cuidada e heroica, não só desta obra como também de muitos outros clássicos da BD norte americana (mas não só).
Cerca de cinquenta anos depois do “coup de foudre” o editor já publicou inúmeros álbuns da sua série favorita, recuperando com um cuidado de artesão – a partir de páginas de jornal, porque os originais são raros – o esplendor e a nitidez das pranchas, reconstituindo vinhetas, reproduzindo legendagem e refazendo traduções com base no texto original – essencialmente, divulgando uma série que que está prestes a fazer 90 anos e um autor da sua (e nossa) eleição: Harold Rudolf Foster.
Nota: Graças à generosidade do Manuel Caldas, a Bedeteca dispõe de diversos volumes da sua edição do Príncipe Valente (para o mercado espanhol), bem como do seu livro Foster e Val – Os trabalhos e os Dias do Criador de Prince Valiant.
Desafio
A terminar este boletim temos um desafio, e apesar de terminarmos com ele, este é – na realidade – um aspecto primordial para a Bedeteca. Como já dissemos, o Monstro Precisa de Amigos. Portanto aqui está o desafio: faça-se Amigo da Bedeteca, faça parte deste projecto de criação e salvaguarda de uma biblioteca dedicada à nona arte.
Horário
A Bedeteca está aberta de Quarta a Sábado, das 14h00 às 18h00.
Até ao próximo Boletim!